Um autista aventureiro
Ecos inundam a casa. A torneira goteja sonora na cozinha. O cortador de gramas do vizinho ronca porta afora. Latidos entram pela janela e se misturam aos cochichos da televisão. Na parede, o relógio tique taca compassado. Sons normais. Sons cotidianos. Inofensivos. Ao menos, ao que parece.
Para uma parcela da população estes sons podem causar um desconforto enorme, chegando, inclusive, a dor. Para os portadores do Transtorno do Espectro Autista (TEA), ou Autismo, o cotidiano ressona de maneira diferente. Autistas possuem sensibilidade superior em um ou mais sentidos simultaneamente, ou seja, não é somente através dos ouvidos que eles podem sentir desconfortos agudos, mas também por meio do tato, olfato, paladar e visão. Por esse motivo, manter uma rotina de horários, lugares, ações e mesmo pessoas, são importantes para a rotina de portadores da síndrome, que também apresentam dificuldade em relacionar-se e em desenvolver habilidades de comunicação e interação social. Estas barreiras limitantes, não impediram a empolgação e o sorriso no rosto do menino Luccas Ev, de 10 anos, que foi presenteado, junto a mãe e irmãs, com uma aventura inesperada, emocionante e inédita.
Após ler uma matéria do jornal local, a mãe de Luccas, Fabiane, entrou em contato com o amigo e colunista Aurélio, buscando saber mais sobre a atividade que ele publicara uma semana antes. Na matéria, Aurélio relatou sua experiência com o Brasil Raft Park, onde realizou uma descida de rafting e passou o dia reunido com a família. Para Fabiane, realizar uma descida junto a família seria como realizar um sonho. Porém, a mãe não imaginava como o filho se portaria durante a atividade, afinal, o ambiente seria extremamente novo para ele não havia como mensurar as possibilidades do passeio desencadear uma crise nervosa em Luccas.
O Transtorno do Espectro Autista abrange diversas áreas neurológicas ligadas a síndromes que se assemelham por suas características. Estes transtornos apresentam diversas incógnitas para os pesquisadores, que tem evoluído a passos lentos na doença. No segundo semestre de 2014, a equipe da geneticista brasileira Karina Griesi Oliveira, identificou uma mutação em um gene chamado TRPC6 e, com a ajuda de universidades norte-americanas, transformou a célula em neurônio na qual foi inserido um gene TRPC6 saudável. Os sintomas do transtorno desapareceram. “De maneira alguma significa a cura do autismo. A gente precisaria testar isso em pacientes e, principalmente, a gente imagina, como o autismo pode ser causado por diferentes genes, pode ser que essa droga só tenha efeito em pacientes que tenham alterações nesse gene especificamente”, afirmou Karina, coautora da pesquisa.
Os passeios da família de Luccas são sempre planejados para que todos possam desfrutar da experiência com a mesma intensidade. Para isso, era imprescindível que Luccas se sentisse bem dentro de um bote inflável em meio a selva verde, em um ambiente ora calmo, ora agitado. “Questionei Aurélio sobre a estrutura do lugar, a segurança, enfim sobre tudo. Ele me passou também o site e a página do Brasil Raft Park, para eu ter uma noção de como era. Comentou que falaria com o pessoal, pra ver como poderia ser feito com o Luccas e se ele realmente teria condições de fazer o passeio.” relata Fabiane, que chegou cedo na manhã de domingo, para que o garoto pudesse ir se adaptando ao local, as pessoas e aquele mundo novo de sons e imagens, gostos e aromas.
“Luccas gosta muito de água, mas ele é bem receoso quando está num lugar que não conhece”, diz Fabiane. Os olhos de Luccas assistiam fixos a atividade do surf de bote na onda, brincadeira realizada em um trecho do rio dentro das dependências do parque. Quando Luccas vê um dos botes azuis parados na margem, pergunta se pode tocá-lo com as mãos, a mãe responde que sim e pergunta a ele se queria navegar naquele barco, ao que o menino responde imediatamente: “Quero sim!”, para a feliz surpresa da mãe, que naquele momento soube que o passeio aconteceria. E com o Luccas!
Todos os procedimentos da aventura foram momentos de curiosidade para Luccas. A equipagem, a instrução, o passeio de caminhão até o ponto de partida do rafting, rio acima. O som da água descendo as paredes da barragem. Os pássaros, o verde, as corredeiras. Uma aventura para seus sentidos. Ao entrar na embarcação, Luccas balançava os braços, segundo a mãe, em sinal de alegria e empolgação. “O rafting, para nós, foi realmente uma linda e deliciosa aventura. Até aquela sensação de medo e frio na barriga que dá é uma coisa boa. O medo do bote virar; e se a chuva ficasse muito forte; e se o Lucas tivesse uma crise nervosa forte” relata Fabiane, que viu no rafting um fortalecedor para a união da família. “Nos sentimos protegidos, por conta dos queridos e competentes instrutores, Will e Evair, que a todo instante estavam de olho nas reações do Lucas e convidavam ele para participar do passeio junto do grupo. O lugar é incrível! A vegetação em volta no percurso, o Rio Paranhana com aquela forte corredeira que de longe parece tão inofensiva, até a chuva deu um charme a mais no passeio, deu um clima de suspense. Eu e as meninas nos sentimos num daqueles filmes em que as pessoas estão no bote e não sabem o que as espera mais à frente.”
Aos 2 anos de idade, Luccas ainda não falava, o que levou Fabiane a encaminhá-lo para diversos médicos, até por fim, após meia hora de avaliação de uma neuropediatra, Fabiane recebe a comprovação: Luccas é autista. Algumas semanas foram necessárias para absorver a informação. “Numa manhã acordei, e disse pra mim mesma em voz alta: Se eu tinha recebido aquele menino tão lindo, com aquela limitação, é porque algum grande propósito tinha”, relata emocionada, “só que na época eu não tinha ideia do que seria. Luccas veio ao mundo, para fortalecer a união e a cumplicidade entre a nossa pequena família. Fez-me conhecer, uma Fabiane que eu não fazia ideia que existia, uma pessoa forte, mais pé no chão. Por causa dele, me senti muito amada, por ele e pelas pessoas que se importam com o seu bem estar. Através dele, conheci pessoas realmente especiais, que fazem diferença na vida dos outros, pessoas dispostas a ajudar, conversar, dar carinho e a mostrar que nem tudo está perdido.”
Apesar de Eugen Bleuler ter utilizado o termo “Autismo” pela primeira vez em 1908, ainda existe muito preconceito sobre a doença. Grande parte do preconceito se dá pela falta de informação. No Brasil, em 2014, é sancionada a lei 12.764 que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, reconhecendo o autista como deficiente, ampliando e protegendo os seus direitos como portador de necessidades especiais. A lei é vista por especialistas como propulsora para a inclusão da classe no sistema de ensino, pois o texto estabelece o direito ao estudo em escolas regulares, da educação básica ou profissionalizante, podendo solicitar um acompanhante especializado caso necessário.
Luccas, que tem como paixão animais e meios de transporte, é um caso bem sucedido de inclusão na escola regular em que estuda. Ele, que reserva um carinho especial pela acompanhante exclusiva que a escola oferece, adora o ambiente escolar, assim como professores e funcionários, e também a terapeuta, que visita semanalmente. Com o olhar curioso de quem contempla o novo, Luccas mandou muito bem no rafting. Se sentiu confortável, ficou numa boa, curtiu e se divertiu com o passeio. “O passeio com o rafting superou todas as minhas expectativas. O Lucas, mesmo com um olhar de surpresa, frente a uma novidade, encarou numa boa e se divertiu, junto com o grupo. “Indico esta atividade ao ar livre para pais de autistas, pois mesmo que o passeio de bote não ocorra na primeira visita, o passeio pelo lugar vale muito a pena. É um lugar para ser contemplado, serve como um belo lugar para realizar um passeio em família e a Brasil Raft está bem preparada para recebê-los”, diz Fabiane, que viu na atividade uma porta com novas possibilidades e caminhos para Luccas e sua família. E completa: “Especiais são as pessoas que nos ajudam a criar e a realizar sonhos!”